Monday, July 24, 2006

Acerca da edição de 1966 da Filosofia na Alcova - Parte I

(Extracto de um texto / trabalho de António Carmo Luís (?), intitulado, Portugal em Sade, Sade em Portugal (história, histórias...) – adaptação de um capítulo do livro inédito Sete Encenações Falhadas de uma Batalha Campal, publicado em O Marquês de Sade e a sua Cúmplice, seguido de Portugal em Sade, Sade em Portugal – Jean Paulhan, Hiena, 1992.)


Andava o país literário a consumir-se nas jogadas deste xadrez funesto, a acender fogueiras com uma temperatura que a ficção científica já determinara (e nos dizia ser 451 graus Fahrenheit), quando chegou a Lisboa um jovem do norte disposto a amar de fora e do ar os interiores da literatura, decidido - com visível frenesi, com previsível ambição – a assumir o principal papel no mais violento confronto com o poder de censurar que a história de fazer livros em Portugal iria, desde a Inquisição assistir.
Aos poucos tomou posições. Quando se deu verdadeiramente por ele já frequentava o centro do café Monte Carlo (na altura um reduto de intelectuais vigiado com rigor por duas ou três mesas periféricas), os salões de Natália Correia, uma espécie de salão literário tardio (na hora e na história) que acolhia de bom grado as letras noctívagas de Lisboa. E nestes dois locais compensados como vasos comunicantes se congeminaram os mais provocatórios golpes de edição que a prática de censurar aqui sofreu.
Desta radioactividade nocturna nasceu, de facto, a editora frágil e quase inexistente, sem capitais nem sede, que iria escolher para seu nome uma deusa caucionada pela cultura grega mas que a autoridade não deixaria, mais tarde, legalizar.
- Porquê? – quero saber trinta anos depois e pergunto-o a esse editor (Fernando Ribeiro de Mello com dois éles), nós sentados na Brasileira-esplanada e a dois passos de um contabilista imóvel que alguma coisa, de censuras, também chegara a saber.
- Porque Afrodite era um nome erótico, diziam-me nada próprio para baptizar com ele uma editora.
- Editora quase clandestina – reparo eu – baptizada com um nome que não entrava nas possibilidades ditadas pelo regime e que conseguia, assim mesmo, publicar.
- Três ou quatro títulos por ano, de acordo com a lei. Ultrapassar esse número estabelecido para uma não-editora-a-sério, hostilizar por esse lado uma brandura legislativa de um país que guerreava livros, seria pretexto para uma proibição absoluta e formal. Tinha, pois, de ser assim: quase inexistente e larvar.
Em 1965, a Afrodite estreava sua primeira provocação dando ao país Kama Sutra, Manual do Erotismo Hindu. E nem sequer um ano passava já os censores estupefactos e irritados com aquela editora ultra-minúscula e leviana, que saía à rua a cantar um programa festivamente suicida, enfrentavam outro coelho da mesma toca, desta feita uma Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica que Natália Correia ousara construir à custa de momentos fesceninos e de maior licença satírica em grandes e menos grandes nomes da poesia e dos versos em português, aos quais acrescentara uma colaboração contemporânea que vinha de gavetas e colecções privadas, tudo envolto numa embalagem erudita que se julgaria dissuasora de actuações censórias. Mas não foi. As consequências...
(continua)