Diário Remendado
O Diário Remendado foi escrito
por Luiz Pacheco entre 1 de Novembro de 1971 e 12 de Dezembro de 1975, período
em que viveu em Massamá. Foi publicado em 2005 pela Dom Quixote com fixação de
texto e posfácio de João Pedro George. Neste diário encontramos várias
referências a Fernando Ribeiro de Mello e às edições Afrodite. As visitas do
editor à concorrida casa de Massamá foram regulares, especialmente para tratar
de assuntos relacionados com publicações na Afrodite, o que se veio a concretizar com os
Textos Malditos.
A primeira referência aparece a 18 de dezembro de
1971, na página 35, e que transcrevemos: “O Ribeiro de Mello sempre inaugurou a
banheira (2,30 de diâmetro, era com que nos chateava os ouvidos), e veio em 1ª
página, não vi. Vou ler a reportagem da Isabel. Diz que é o Dali português e
cada país tem o Dali que merece. Mais ou menos isto, segundo versão da Lena. Já
lhe arranjei cognome: é o Mini-Dali.”
A partir de meados de 1974, as referências a Fernando Ribeiro de Mello são mais frequentes. Em causa está a futura publicação dos Textos Malditos, o que viria a acontecer em 1977 na Afrodite. Pacheco vai respondendo, por escrito, a uma proposta de Ribeiro de Mello, um estranho “Inquérito Inquisitorial” em que o “escriba pachecal” respondia a perguntas íntimas, dando um retrato de si, e que seria, para incluir nos Textos Malditos. Pacheco andou algum tempo de volta das respostas, mas este curioso inquérito acabou por não ser incluído no livro.
Em 27 de Outubro de 1974, na página 195, encontramos
este excerto: ”Quanto ao Inquérito Inquisitorial avancei e tenho livro
novo, a fazê-lo como agora o vejo. A
cada pergunta (35), 5 páginas máquina em média de resposta dá 175 a 200. Vou
descarregar bílis toda. Fazer um depoimento, não um livro de memórias dirigido
por mim mas um repositório rigoroso e detalhado cingindo-me aos quesitos do
Ribeiro de Mello. É um jogo como outro qualquer. Ele quis assim, assim o terá.
E ainda esta noite me ocorreu outra coisa que parece fundamental – para alargar
e desfunalizar (termo tão caro a António Sérgio), o que poderia reduzir-se a um
pomposo auto-retrato. Depois de escrever, secretamente, as minhas respostas, o
que continuo a fazer directamente à máquina, em certas perguntas (as que se
refiram ao sexo, principalmente) fazer inquéritos gravados ou escritos a uma
data de gente. Não se tratará de um Relatório Kinsey; mas e driblando o R. M. nas
suas intenções de me tramar a mim, alargar o debate, por exemplo interrogá-lo
também a ele. É maluco o suficiente para aderir a este projeto que, levado a
cabo, pode contribuir para uma intervenção no campo ético e político…”
Mais
um excerto do diário, em 24 de Outubro de 1974, página 178: ”As minhas relações
com o Ribeiro de Mello foram-se azedando (culpas dele e minhas). O livro Textos Malditos, com Inquérito Inquisitorial
ou sem, não tem cara. Não é um acto.
É um recurso. Uma negociata.”
Outro
excerto, em 15 de Novembro de 1974, página 210: “O R. M. tem de optar. Mas não
é ainda altura de lho dizer: ou aquilo entra no livro ou ele tem de esperar uns
tempos, o que não quer dizer que não possa aproveitar para um volume posterior,
onde desenvolva alguns dos assuntos como
deve ser; ou suprimimos dos Textos
Malditos e começo a trabalhar num volume a sério, coisa híbrida entre o
depoimento pessoal, o livro de memórias, textos avulsos, documentos,
inquéritos, agarrando os vários temas
de várias formas e formando, por fim, um tapiçado engenhoso e válido (caio na palavra horrível).”
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