Monday, August 06, 2007

Entrevista com o pintor Júlio Resende


Antes de enveredar pela edição de livros, Fernando Ribeiro de Mello chegou a ser colaborador do Jornal de Letras e Artes, conduzindo algumas entrevistas ali publicadas.
Na edição de 11 de Março de 1964 encontrámos uma entrevista ao pintor Júlio Resende (na foto).

Surgido no panorama das nossas Artes Plásticas em 1943, pela sua intensa actividade e presença, a partir de então, nas principais exposições do País, nalgumas do estrangeiro, nomeadamente, na Noruega, Bélgica e Espanha, pela representação, que a sua obra encontra em diversos Museus e Galerias nacionais e de além fronteiras, pelos inúmeros prémios com que tem sido distinguido (entre outros, citemos o de Armando Basto, Sousa Cardoso, Diogo de Macedo, Bienal de Arte de S. Paulo, Exposição de Artistas de Hoje e Exposição Gulbenkian) e ainda pela valiosa participação dispensada a empreendimentos artísticos, de assinalável vulto, alcançou um justo lugar de prestígio na Vanguarda da Moderna Pintura Portuguesa, posição constantemente confirmada pelo público e pela crítica.
É, pois, com regozijo que agora lhe registámos algumas declarações acerca do seu «métier», ou de problemas gerais com ele relacionados.

Fernando Ribeiro de Mello /Jornal de Letras e Artes – Quais os artistas, Júlio Resende, com que se sente mais identificado, ou maior influência e orientação prestaram à realização da sua obra?
Júlio Resende Essa pergunta implica desde logo que eu esclareça a minha posição estética. Não se trata de qualquer revelação, aliás, o afirmar a minha propensão para um certo tipo de expressionismo, porquanto essa tendência teima em subsistir através de diversas fases por que passei. Assim, será fácil deduzir quais os pólos da pintura universal que mais particularmente me tocaram. Espero não surpreender nem escandalizar ninguém ao manifestar o meu interesse por muitas formas expressionistas, desde a dos Primitivos Catalãos, até ao Grupo Cobra. Se insiste em nomes citar-lhe-ei alguns do expressionismo Ibérico e Flamengo: Goya, Solana, Picasso, Permeke, etc.
Esta citação que não induza em erro... Discordo por princípio, das posições extremistas. É bem verdade que na minha formação estética foi considerável a influência da obra, toda precisão, inteligência e pureza de um Della Francesca, dum Mantegna e de um Vermeer.
FRM/JLA – Presentemente que resultados pensa e procura atingir na sua pintura?
JR -
A Humanidade está braços com um problema de sobrevivência como nunca, e disso tem consciência. O homem perante um dilema de que é, afinal, o responsável, vê-se impotente para lhe dar uma saída satisfatória. É natural que a presença do homem na minha pintura, venha a tornar-se mais efectiva, já que ela nunca tenha estado arredada. Quanto à forma, ela expressa e confirma o conteúdo: dramatismo nas oposições dos valores, severidade cromática...
FRM/JLA – Crê no futuro da pintura abstracta?
JR – Admito que ela subsista, com a condição que seja salvaguardado aquele binómio que subentendi ainda agora: forma-conteúdo. O problema figuração-abstracção, se é que tal problema existe, não me preocupa. De resto, abstracção sempre se fez, sempre se fará. Quem com isto não estiver de acordo, que me aponte uma só verdadeira obra de arte onde se demonstre o contrário.
FRM/JLA – Acha que a Arte deve constituir um instrumento de acção social?
JR –
Entendo que a arte, se o é na realidade, envolverá fatalmente os seus aspectos sociais. O que lamento é que nem sempre se possa classificar de arte, aquilo que muitas vezes se pretende como tal...
FRM/JLA – Julga necessária uma preparação teórica para uma boa compreensão ou entendimento da pintura abstracta?
JR –
Para o entendimento da pintura abstracta, exige-se apenas o essencial para a compreensão de qualquer outro tipo de pintura. A cultura é precioso subsídio, claro está.
Ora o que me parece, é ser a sensibilidade uma faculdade susceptível de educação.
FRM/JLA – Pode-nos dizer, Júlio Resende, que razões ou objectivos o animam a realizar ou participar em exposições?
JR –
O imperativo de comunicabilidade, em primeiro lugar. Há outros motivos ainda, entre eles o de pretexto para observação psicológica da reacção do público, sem dúvida preciosa súmula de experiências onde se poderá auscultar a repercussão das obras apresentadas, dando ensejo, muitas vezes, a que se inicie uma nova fase de busca.
FRM/JLA – Como considera o actual meio português e, particularmente, o do Porto?
JR – Essa pergunta merece uma resposta cuidada. Não estarei nas condições ideais para o fazer, por desconhecimento directo daquilo que se produz hoje, em matéria de pintura, em Lisboa. Com o conhecimento do meio artístico do Porto e confiada nas apreciações críticas surgidas na Imprensa não terei relutância em afirmar que dispomos actualmente, de um bom grupo de artistas, de características particulares, que, se não são conhecidos além fronteiras, tal facto deve-se a várias circunstâncias, entre as quais, a falta de um plano que viesse a apoiar a efectivação de exposições nos grandes centros do estrangeiro. Seria uma medida de interesse nacional, e ao toma-la não faríamos mais do que seguir o exemplo de inúmeros países.
FRM/JLA – Por último, gostaríamos de saber o que Júlio Resende pensa acerca da nossa actual Crítica de Arte, no respeitante à sua missão de orientação do artista e elucidação do público.
JR – Não me custa admitir que dispomos de alguns críticos autorizados que estão cumprindo essa missão difícil no seu duplo aspecto: análise da obra e orientação do público.
Missão espinhosa mas altamente importante. Isenção, autoridade e coerência, serão porventura as qualidades que definem o verdadeiro crítico. Pena é nem todos disporem desses requisitos.