Wednesday, July 25, 2007

Vítor Silva Tavares


Colaborador nas Edições Afrodite

Vítor Silva Tavares teve algumas colaborações com Fernando Ribeiro de Mello nas Edições Afrodite. O prefácio da Antologia do Conto Abominável foi por ele escrito, tal como um dos comentários à Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Em 1976, foi o revisor literário de A Metafísica do Sexo, de Julios Evola. Surpresa, é uma ficção sua, intitulada Não, Não foi de Herói, que está incluída na primeira edição da Antologia do Conto Fantástico Português.

Pequeno excerto de uma entrevista a Vítor Silva Tavares, no Público, em 16 de Julho de 2007.
Público/Alexandra Lucas Coelho - E duas ou três aventuras poéticas que sente que são a sua família?


Vítor Silva Tavares - Desde o meu antigo encantamento pela Ulisseia, mas também pela velha editora Inquérito, do Salgueiro. Foi-me dito pelo Luiz Pacheco que o velho Eduardo Salgueiro conseguiu aguentar a editorial Inquérito 50 anos na falência. Eu ainda só vou fazer 35. Quem me dera poder chegar a esse número. Há 50 anos que estamos falidos, mas de porta aberta. Mais próximos de nós, um grande editor, maluco, nem por isso muito culto, mas com um instinto, um faro, e também um gosto de fazer a toda a prova, Fernando Ribeiro de Mello, das Edições Afrodite, o tal que queria fazer a revolução sexual em Portugal. Fez a dele, já não está mal. Meu grande amigo e sócio no arranque do etc. Tive muita pena de ter ido abaixo o projecto da Hiena. Arrancou muito bem, aí estava um homem amante do livro [Rui Martiniano]. A Hiena começou com...

P/ALC - Uma tradução sua, “O Sorriso aos Pés da Escada”.

VST - O [Henry] Miller, exactamente. E quando me vieram dizer até fiquei zangado. Porquê? Não foi por terem editado, nunca faço reedições, muito menos isso, uma coisa que tinha feito na Ulisseia há não sei quantos anos. Foi por não me ter dito nada. Então alguma vez eu ia levantar qualquer problema em o homem usar o prefácio ou a tradução ou coisa assim. Então de todo em todo não me estava a conhecer. O trabalho aqui quem quiser tira, o “copyright” é dos autores. O etc não tem “copyright”. É sabido que em “n” casos sou um editor pirata. Sim senhor, corro esse risco. Também lhe digo que essas piratarias nunca foram feitas sobre autores vivos, ponto um. Ponto dois, nunca eu retirei delas um tostão de lucros. Ponto três, parte das piratarias aqui feitas são de pequenos textos, laterais à obra dos autores, com tão pequena dimensão, que até os vendedores do “copyright” não vendem por não terem interesse comercial nisso, o que quer dizer que se deixam de publicar uma quantidade de coisas por causa do “copyright”. Então, eu borro-me para o “copyright”, podendo apanhar uma denúncia, sim senhor.

P/ALC - Para passar os livros. São ainda piratarias poéticas.

VST - Então tive pena, pena, de projectos como a Hiena, ou quando o Fenda foi abaixo – felizmente o Vasco tem sabido pô-la em pé. De certo modo a Fenda também nasceu por causa da etc. Ou como a Contexto, que foi abaixo.

Introdução à entrevista feita por Alexandra Lucas Coelho, que para aqui serve de Biografia:
É lisboeta “pardal”, de palmilhar a cidade a pé. Foi miúdo descalço na Madragoa, uma pobreza de se pôr o relógio no prego para haver sopa de hortaliça numa casa com 13 pessoas. É nessa casa que continua a viver, e o relógio ainda lá está. Entre o prego e 2007, as aventuras dão para uma conversa que não acaba, a que ele vai tendo com os próximos, sem pensar em escrever memórias. A sua escola de jornalismo, muito antes do “Diário de Lisboa”, é a do “Intransigente”, de Benguela, onde também foi inspector de cartas de condução sem saber conduzir e mudou os nomes a todas as ruas da cidade numa noite de subversão, que lhe valeu ter um agente da PIDE à perna, de seu nome Delgado. Partiu de Angola em risco de ser preso, deixando um 45 rotações de Mahalia Jackson a um contratado do interior que o levou para onde nunca mais terá sido ouvido. De volta a Lisboa, distribuiu colaborações pelos jornais enquanto, ateu dos quatro costados, pintava Cristos que um “manager” vendia a conventos. Não sabe por onde andará essa extensa obra pictórica. Depois convidaram-no a dirigir a editora Ulisseia, onde começou a publicar surrealistas portugueses, “nouveau roman” francês e obra de muita indignação para a censura. Os livros eram apreendidos, mas aparentemente a Ulisseia era mesmo para dar prejuízo ao dono, a Abel Pereira da Fonseca.Gosta de coisas tão antigas como letras de tipografia e histórias a circular pela boca. De fazer coisas porque apetece, e porque tem de ser, e porque é assim.
A porta aberta é para entrar e para sair, o importante é que esteja aberta. Na & etc não há lucros e há livros quando houver. Tem havido regularmente, e cá estão eles a toda a volta deste subterrâneo com pátio de azulejo antigo e escadinha de ferro, ali onde o Bairro Alto cola com a Bica, muito lisboeta. Tudo já aconteceu aqui, até quase um parto. Não há computadores e a secretária é a mesma que o senhorio ofereceu no dia em que o subterrâneo foi alugado. Vinha a calhar para este título, que começou por estar no primeiro livro de Vítor Silva Tavares publicado em Angola, “Hot & etc”, depois passou a ser um magazine do “Jornal do Fundão”, uma revista e enfim uma editora. Por ter começado como magazine é que Vítor Silva Tavares lhe chama sempre “o etc”, no masculino. Hoje, centenas de livros diferentes, que parecem quadrados, e todos juntos são uma bela, longa, aventura. Horas de conversa, em que ainda antes da primeira pergunta, a jornalista abandonou o guião. A gravação começa com Vítor Silva Tavares a contar como começou a & etc. Partimos da mais rigorosa e total independência, só tendo em cima de nós a vigilância censória, o que a censura cortava. Mas nós não cortávamos. Não havia censura interna, nenhuma. E não era, como agora se diz, “vamos ter um projecto”, não senhora. Entrámos a fazer o etc exactamente como uma aventura poética, interligando desde logo a intervenção artística, cultural, com as nossas próprias vidas. Viver poeticamente através de uma folheca, ou de livrinhos, mas viver a nossa própria vidinha. Talvez isso nos ajudasse a dar algum sentido, alguma alegria a um país em absoluto pardacento que não apetecia. Hoje não sei se apetece muito, na altura não apetecia nada. E, portanto, dúzia e meia de malucos atirámo-nos para isto. E já colaboraram no etc, desde que ele nasceu, largas centenas de escritores, tradutores, pintores, ilustradores, que jamais tiraram daqui um cêntimo. A editora é totalmente independente. Nunca pediu nem à Secretaria de Estado da Cultura, nem às fundações, nada. Vive exclusivamente ou dos livrinhos que fazemos e pomos nas livrarias, e as tiragens são muito pequenas.