Thursday, July 12, 2007

Crítica à Antologia do Conto Fantástico Português, 1.ª edição


Recensão crítica à primeira edição da Antologia do Conto Fantástico Português, no «Diário da Manhã», em 9 de Maio de 1968, assinada por Rodrigo Emílio. Nas Avelãs do Cesariny, Fernando Ribeiro de Mello, na nota 10, refere-se a este texto:

Antologia do Conto Fantástico Português

Lá que a ideia era boa, isso era. Excelente mesmo. Autêntico achado. Simplesmente a organização de uma «antologia», seja do que seja, quanto mais, ainda por cima, «do conto fantástico português», não é coisa para lembrar a qualquer e muito menos a editor-antologista que tem feito do escândalo o objectivo-mor e da perversão o fim em vista, por excelência, dos seus mal intencionados, dissolutos, objectos, deploráveis lançamentos, e outrossim instituído, como processos de acção cultural pretensamente vulgarizadora, uma ligeireza selectiva e uma incúria metodológica, abaixo de tudo.
Desta feita, ocorreu ao responsável pela casa – e fundador da colecção - «Afrodite», como é sabido, useiro e vezeiro em emissões atentatórias da moral pública, e fautor, por sistema, de trabalhos de recolha, de natureza mais que suspeita e de intuitos assaz duvidosos, a inspirada e fulgurante ideia de empreender o estabelecimento de um conspecto, consagrado inteiramente ao filão do «fantástico» encontrável no curso histórico da nossa prosa de ficção.
Tal iniciativa, se bem a ideou, muito mal, contudo, a veio a pôr em prática – como de resto era de esperar de pessoa literariamente tão mal formada e informada na matéria.
Assim, depois de meia dúzia de palavras incaracterísticas, alinhadas a despaupério em jeito de intróito, um longo séquito de nomes e de textos sobrevem – ao cabo e ao resto, muita parra e pouca uva no que se refere, claro, a «fantástico». Porque «fantástico» a valer, digno mesmo de antologiar, só em dezasseis das trinta e cinco peças coligidas afinal se vislumbra.
Acresce, como agravante, que mesmo em número tão digito de narrativas aceitávelmente «fantásticas», apesar de tudo algumas há, ainda assim, que representam deficiente ou, pelo menos insuficientemente os respectivos autores. Casos, por exemplo, de Camilo e Fialho, de Raúl Brandão e José Régio, em cujas obras muitos mais trechos havia – bastantes mais e bem melhores – por onde respigar motivação ou clima fantásticos. Isto para já não aludirmos sequer a casos pura e simplesmente omissos – alguns de palmatória como a ausência a que foi votado António Patrício, um dos mais fantásticos cultores do «fantástico» que já tivemos.
Os acertos de critério realmente não abundam. Tirando «A Dama de Pé de Cabra», de Herculano, «Uma Récita do Roberto do Diabo», de Júlio César Machado, «A Reencarnação Deliciosa», de Aquilino, «A Estranha Morte do Prof. Antena», de Sá Carneiro, «O Cágado», de Almada, «Regresso à Cúpula da Pena», de Rodrigues Miguéis, «O Gavião», de Tomás de Figueiredo, «Casa Mortuária», de Domingos Monteiro, «O Anjo», de Branquinho da Fonseca, «A Ritinha», de José de Lemos e, talvez «Pesadelo», de António Quadros, toda a restante inclusão averbada – que representa, aliás, a maioria esmagadora de páginas do compendioso volume – constitui clamorosa abertura de fronteiras à mediocridade.
Fernando Ribeiro de Mello, desde o momento em que não declarou reservado o direito de admissão literária, e antes se prestou a fazer «jeitinhos», a misturar alhos com bugalhos, dando aceitação a toda a sorte de menoridades, designadamente exercícios de redacção automática de terceira apanha, e consequentemente, figurantes de ultragésima extracção, malbaratou o ineditismo e traiu a validade da ideia que presidiu à copiosa recolecção.
Em última análise, a «Antologia do Conto Fantástico Português» revela-se pois uma falsificação chapada, onde a inflacção impera e a concessão campeia.