D. Tomás de Noronha e Padre Manuel Bernardes na Antologia do Humor Português
D. Tomás de Noronha (...? – 1651)
Os poemas de D. Tomás de Noronha foram publicados na Fénix Renascida. Deve porém dizer-se que não estão lá todos. O editor teve o cuidado de ignorar as composições demasiado chocantes, limitando-se a publicar aquelas que podiam passar na censura e não causar dilemas às sensibilidades pudibundas.
D. Tomás de Noronha foi fidalgo de muitos pergaminhos, mas pobre. Segundo as crónicas, fez rir o povo do seu tempo e corar os da sua estirpe pela representação pouco conveniente que de si deixou transparecer.
Beberrão, duas vezes casado, devasso, viveu sempre de gargalhada pronta e sabedoria ácida. Não perdoou nem foi perdoado. Acabou naturalmente na miséria como é de uso acontecer aos menos avisados e aos mais libertos dos mitos menores do mundo. Portanto, um homem marginal à sua época, para quem o humor foi o que é sempre: uma forma de não estar bem com os legisladores.
Ao Padre Girão, frade franciscano, por fazer os versos compridos
Padre Girão, se a vossa reverência,
Lhe deu licença o louro patriarca,
Para fazer os versos mais da marca,
Bem dada foi em sua consciência.
Porém se lha não deu, mostre vocência
Exemplo em Camões, Lope ou Petrarca,
E não me ande por aqui roçando alparca,
Porque me dá com um pau na paciência.
Se a musa de vocência é centopeia,
Sevandija do charco do Pegaso,
Versos faça – com Deus! – de légua e meia.
Porém se algum coimeiro do Parnaso,
Lhos levar por compridos à cadeia,
Que há de fazer vocência neste caso?
Padre Manuel Bernardes (1644-1710)
Manuel Bernardes nasceu em Lisboa, filho de família pobre e pouco exemplar. Após receber dos jesuítas a instrução básica, no Colégio de Santo Antão, prosseguiu os estudos na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito Canónico e Pontifício, tomando então ordens sacras.
O seu afã em salvar algumas, poucas, almas, advém da sua convicção de que às penas eternas, quase toda gente estaria destinada. Este cristianismo simplório, cingido às verdades do confessionário, incapaz de se elevar a qualquer problemática filosófica, expresso literariamente através de um estilo especioso carregado de citações, distínguos, antíteses subtis, trocadilhos, paradoxos, adivinhas, remete inexoravelmente o nosso autor para esta antologia, onde figura como digno representante de um tipo de humor involuntário que será porventura uma das mais constantes linhas de força da nossa História, e não só literária.
Degeneração do Portugal
As espadas largas degeneraram em cotós, e os capacetes se trocaram em perucas; já o pente em vez de se fincar na barba ensanguentada se finca publicamente na cabeleira, alvejando com polvilhos. Cheiram os homens a mulheres; não a Marte, mas a Vénus. Quem havia de imitar ao grande Albuquerque, prendendo a barba no cinto, se já não há novas de cintos, nem de barbas? Quem haveria de sair aos leões em África, se é mais gostoso estar no camarote em Lisboa, gracejando com as farsantes e atirado-lhes já com chiste, já com dobrões? Ou como se haviam adestrar em ambas as selas, andando pelas ruas bamboleando nas seges. Amoleceu-nos a infusão dos costumes estrangeiros, que veneramos, devendo aborrecê-los; e nós, que estamos no fim da terra, ficamos no meio do mar de suas depravações.
( In Nova Floresta)
Os textos aqui apresentados, são somente alguns excertos do que está publicado na AHP.
Agradecimentos ao Masson, mais uma vez, pela divulgação dada a esta página.
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