Thursday, February 19, 2009

Prefácio de Natália Correia para a Antologia de Poesia Erótica



O Cativeiro de Afrodite

Quando Carolina Michaëlis de Vasconcelos se ocupou das cantigas satíricas dos nossos Cancioneiros medievais, sacrificando os preconceitos no altar da cultura, declarou que não evitaria as obscenidades que tão desafogadamente ocorrem no género burlesco dos Cancioneiros, sempre que estivesse em causa apurar a verdade.
Fazer nossas as palavras da corajosa investigadora, é uma homenagem que o seu exemplo nos impõe, afrontando uma moral onde à feminilidade sempre coube observar a regra de uma discrição apetecida pelo idealismo patriarcal.
Trata-se igualmente de abordar uma verdade, o propósito desta Antologia, cujas páginas encerram a não menos autêntica dimensão do génio poético português, escamoteada pela duplicidade de um jogo psíquico que tanto mais ascende ao vértice do arrebatamento da alma, quanto mais desce aos nossos esconsos das maquinações do instinto.
Meter ombros esta empresa, mais não é do que realçar a urgência de saneamento de uma época cuja legislação sexual, fundamentada na doutrina de Ambrósio, Orígenes, Agostinho e Jerónimo (R. briffaut, «The Mothers»), se exerce em conflito com um comportamento que exprime a anárquica tentativa de recuperar a natureza para salvaguardar o género humano dos valores em crise que persistem em configurá-lo. Não estamos pois, longe do estímulo afrodisíaco da repressão medieval, mesmo com as maiores ousadias literárias do século, como no caso de Jean Genet.