Curvo Semedo na Poesia Portuguesa Erótica e Satírica – Séc. XVIII – XIX
Curvo Semedo (1766-1838)
Denegrir Bocage – eis o que não deixaria de agradar aos defensores da velha ordem, não só porque Bocage foi irreverente para com os colegas de letras, mas também porque ameaçava alguns pruridos enraizados na “excelente” sociedade portuguesa. Assim, havia que rebaixar-lhe o mérito poético e dar-lhe por coro fúnebre os lamentos das “moças venais” e dos “ pedantes”. Note-se que a sátira de Curvo Semedo, presente no soneto que aqui reproduzimos, se insere no âmbito da maledicência literária, bem como no aproveitamento da vida privada para a ”vingançazinha”.
Morreu Bocage, sepultou-se em Goa!
Chorai, moças venais, chorai, pedantes,
O insulto estragador dos consoantes,
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!
Por aventuras mil obteve a coroa
Que a fronte cinge dos heróis andantes;
Ainda veio de climas tão distantes
À toa vegetar, versar à toa.
Este que vês, com olhos macerados.
Não é Bocage, não, rei dos brejeiros,
São apenas seus ossos descarnados;
Fugiu do cemitério aos companheiros;
Anda agora purgando seus pecados
Glosando aos cagaçais pelos outeiros.
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