Saturday, October 28, 2006

Acerca da edição de 1966 da Filosofia na Alcova - Parte VII

David Mourão-Ferreira resumiu os argumentos já conhecidos do seu texto. O autor tinha “valor cultural” mas ele sentia repulsa pelos temas que era seu costume abordar e só tinha podido comprometer-se a escrever um prefácio contra Sade.
Herberto Helder, esse explicou que se desinteressara da tradução por razões várias, algumas delas pessoais, e acabara por entregá-la a outro. “Outro, quem?”, perguntara o Dr. Seia atrás dos óculos de aros grossos. “António Manuel Calado Trindade.” Perante a situação - um tradutor que não traduzira, outro que o fizera mas não a mando do editor – acabara por inventar-se um pseudónimo que conservava o Helder somando-lhe outro nome também começada por hagá.
Quanto a João Rodrigues, assumia tudo: já tinha lido a obra e aceitara fazer ilustrações subentendendo que se destinavam a uma edição em português.
No dia seguinte Calado Trindade (o novo interveniente no processo) era interrogado; e um mês depois, nas Caldas, Luiz Pacheco.
Calado Trindade (um estudante universitário com 22 anos que cumpria o serviço militar) nada tinha a dizer ao Dr. Seia que acrescentasse sabor novo à anedota do processo nem motivo de acrescida excitação. Sim, aquele trabalho fora-lhe proposto por Herberto Helder e aceitara fazê-lo; na altura não sabia a que editor se destinava mas admitira como objectivo a sua publicação.
O palco demorou um mês a deslocar-se para as Caldas. Com novo cenário, o Dr. Humberto Carlos Amado Gomes substituíra o Dr. Seia e o argumento aconselhava-se a mostrar grande interesse por antecedentes criminais que pesavam sobre o corpo magro do arguido.
- Já tinha – confirmava Luiz Pacheco sem hesitações – respondido duas vezes como réu: a primeira por estupro, a segunda por atentar contra o pudor e desobedecer ao Tribunal. Numa e noutra fora condenado. No que respeitava ao seu trabalho como prefaciador podia, sim senhor, dizer que escrevera o texto propositadamente para a edição portuguesa de A Filosofia na Alcova e chegara ao ponto de rever provas tipográficas do que lá tinha aparecido com a sua assinatura.
(continua)