Wednesday, January 10, 2007

Nas Edições Afrodite: Sobre as Feiticeiras…edição completa!

Jules Michelet

Na revista Actual do semanário Expresso (5 de Abril de 2003), L. M. Faria publicou um artigo com referências à edição de Sobre as Feiticeiras - Jules Michelet, por Fernando Ribeiro de Mello.
Aqui fica o texto:

O resto, depende...

L. M. Faria
«A editora informa que será o êxito ou não do livro a
determinar uma eventual decisão de publicar a segunda parte.»
O escritor francês Jules Michelet pertence ao reduzido grupo de autores franceses do século XIX que ainda hoje se lêem com prazer. Embora a sua reputação póstuma como historiador seja limitada, o seu estilo é rico, excitante, moderno - e não delicodoce. Michelet escreveu sobre inúmeros temas além da História, incluindo animais e insectos. No seu (relativamente) pequeno livro As Feiticeiras, deu à posteridade uma obra onde a fantasia conta pelo menos tanto como os factos, o que no seu caso não constitui mesmo pecado nenhum. A noção da feiticeira como reacção da mulher à opressão social era sem dúvida uma imagem com futuro. O livro de Michelet tornar-se-ia obra de culto do feminismo no século XX.
Tudo isto para dizer que As Feiticeiras merecia uma boa versão portuguesa. E já a teve, há muito tempo.
As defuntas Edições Afrodite, de Fernando Ribeiro de Mello, produziram um volume onde constava, além do texto original, um ensaio de Roland Barthes, uma cronologia, depoimentos de intelectuais portuguesas e ilustrações. Um belo objecto, publicado com a dignidade própria do seu editor, e que sempre foi rara aqui.
Ao fim de muitos anos, a mesma obra de Michelet torna a surgir em português. Agora noutra editora, a Pergaminho. E desta vez - surpresa! - sai só metade. Nada na capa nos diz que é só a primeira parte da obra. Nada na contracapa ou na badana. A informação, por assim dizer (duas palavrinhas em letra pequena: «Livro Primeiro»), só aparece na página seis, no canto superior esquerdo. Talvez o lugar mais escondido onde podia estar.
Porquê tão curioso procedimento? Telefonámos à editora e perguntámos. Foi-nos dito, apenas, que assim se fizera, e seria o êxito ou não do livro a determinar uma eventual decisão de publicar a segunda parte. Ou seja: quem comprar o livro a pensar que está inteiro fica pelo menos com o consolo de saber que, ao comprar, contribuiu para aumentar a possibilidade de, num próximo dia, poder vir a comprar o resto.
O mundo da edição tem os seus mistérios, e longe de nós questionarmos os métodos da Pergaminho. Mas uma coisa nos agradaria saber. Se Paulo Coelho, autor que a Pergaminho edita cá e lhe deve ter feito a fortuna, soubesse que em Portugal lhe editavam só metade de um livro, sem sequer avisar os leitores, que diria ele? Continuaria a Pergaminho a ter licença para editar Paulo Coelho? Ou acharia ele (homem notoriamente sensato) que um tal procedimento, além de o prejudicar, inquinava sem remédio a credibilidade da editora?
O que Paulo Coelho pensaria não sabemos. A nós, parece-nos apenas que a inclusão de As Feiticeiras numa colecção popular de «espiritualidades» não devia desculpar tudo. Se editar é humano, omitir não é divino. E enganar muito menos.