Thursday, January 10, 2008

Côro de Escarnho e Lamentação dos Cornudos em volta de S. Pedro



Poema de Luiz Pacheco publicado originalmente na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (e por tal, o autor foi um dos condenados) e posteriormente coligido em Textos Malditos, ambas, edições de Fernando Ribeiro de Mello / Afrodite.

Côro de Escarnho e Lamentação dos Cornudos em volta de S. Pedro

MONÓLOGO DO 1.º CORNUDO

I


Acordei um triste dia
Com uns cornos bem bonitos.
E perguntei à Maria
Por que me pôs os palitos.

II

Jurou por alma da mãe
Com mil tretas de mulher
Que era mentira. Também
Inda me custava a crer...

III

Fiquei de olho espevitado
Que o calado é o melhor
E para não re-ser enganado,
Redobrei gozos de amor.

IV

Tais canseiras dei ao físico,
Tal ardor pus nos abraços
Que caí morto de tísico
Com o sexo em pedaços!

V

Esperava por isso a magana?
Já previa o que se deu?...
Do além vi-a na cama
Com um tipo pior do que eu!

VI

Vi-o dar ao rabo a valer
Fornicando a preceito...
Sabia daquele mister
Que puxa muito do peito.

VII

Foi a hora de me eu rir
Que a vingança tem seus quês:
«O mais certo é práqui vir,
Inda antes que passe um mês».

VIII

Arranjei-lhe um bom lugar
Na pensão de Mestre Pedro
(Onde todos vão parar
Embora com muito medo...)

IX

Passava duma semana
O meu dito estava escrito
Vítima daquela magana
Pobre tísico, tadito!

DUETO DOS 2 CORNUDOS

X

Agora já somos dois
A espreitar de cá de cima
Calados como dois bois
Vendo o que faz a ladina

XI

Meteu na cama mais gente
Um, dois, três... logo a seguir!
Não há piça que a contente
È tudo que tiver de vir!

S. PEDRO, INDIGNADO, PRAGUEJA.

XII

- É de mais!... Arre, diabo!
- Berra S. Pedro, sandeu. –
E mortos por dar ao rabo
Lá vêm eles pró Céu!

CORO, PIANÍSSIMO, LIRISMO
NAS VOZES

XIII

Que morre como um anjinho
Quem morre por muito amar!

CORO, AGORA NARRATIVO
OU EXPLICATIVO.

Já formemos um ranchinho
De cá de cima, a espreitar.

XIV

Passam meses, passa tempo
E a bela não se consola...
Já semos um regimento
Como esses que vão prá Ingola!

(ÁPARTE DO AUTOR DAS COPLAS:
«COITADINHOS!»)

XV

Fazemos apostas lindas
Sempre que vem cara nova.
Cálculos, medidas infindas
Como ela terá a cova.

XVI

Há quem diga que por si
Já não lhe topou o fundo...
Outros juram que era assi
Do tamanho... deste Mundo!

XVII

- Parecia uma piscina! –
Diz um do lado, espantado.
- Nunca vi uma menina
Num estado tão desgraçado!

APARTE DO AUTOR, ANTIGO MILI-
TANTE DAS ESQUERDAS (BAIXAS).

XVIII

(Um estado tão desgraçado?!...
Pareceu-me ouvir o Povo
Chorando seu triste fado
nas garras do Estado Novo!)

XIX

O último que chegou cá
Morreu que nem um patego:
Afogado, ieramá,
Nos abismos daquele pego.

O CORO DOS CORNUDOS, ACOMPA-
NHADO POR S. PEDRO EM SURDINA,
ENTOA A MORALIDADE, APÓS TER
LIMPADO AS ÚLTIMAS LAGRIMETAS
E SUSPIRANDO COMO SÓ OS CORNU-
DOS SABEM.

XX

Mulher não queiras sabida
Nem com vício desusado,
Que podes perder a vida
Na estafa de dar ao rabo.

XXI

Escolhe donzela discreta
Com os três no seu lugar.
Examina-lhe a greta,
Não te vá ela enganar...

XXII

E depois de veres o bicho
E as maneiras que tem
A funcionar a capricho,
Já sabes se te convém.

XXIII

Mulher calma, é estimá-la
Como a santa no altar.
Cabra douda, é rifá-la...
- Que não venhas cá parar.

XXIV

Este conselho te dão,
E não te levam dinheiro...
Os cornudos que aqui estão
Com S. Pedro hospitaleiro.

XXV

Invejosos quase todos
Dos conos que o mundo guarda

FAZEM MAIS UM BOCADO DE LA-
MENTAÇÃO. NOTA DO AUTOR: QUASE,
PORQUE ENTRETANTO ALGUNS BRIN-
CAVAM UNS COM OS OUTROS. RABO-
LICES!

Mas se fornicas a rodos
Tua vida aqui não tarda!

RECOMEÇA A MORALIDADE, ESTILO
ESTÃO VERDES, NÃO PRESTAM.
ALGUNS BÊBADOS, CORNUDOS DES-
PEITADOS OU AMARGURADOS. VOZES
PASTOSAS. DEVE LER-SE: VIIINHO...
VÉLHIIINHO...

XXVI

Melhor que a mulher é o vinho
Que faz esquecer a mulher...
Que faz dum amor já velhinho
Ressurgir novo prazer.

FINALE, MUITO CATÓLICO.

XXVII

Assim termina o lamento
Pois recordar é sofrer.
Ama e fode. É bom sustento!
E por nós reza um pater.


Luiz Pacheco
Num dia em que se achou
Mais pachorrento.