Thursday, January 10, 2008

A Fome, de José Martins Garcia

(edição de Dezembro de 1977)


José Martins Garcia
Colecção Autores II
Capa de Nuno Amorim
Edição e Arranjo gráfico de Fernando Ribeiro de Mello / Edições Afrodite

Na contracapa


A FOME é na realidade um discurso fantástico.
Há mais de cinco séculos que o Homem se fixou nas ilhas dos Açores. Mas essa fixação nunca foi efectiva. O mar, o céu, o mito, a lenda, a ambição, o sonho, Deus, o Diabo, o Apocalipse ou o Reino do Espírito Santo sempre foram para os habitantes dessas paragens outros tantos e poderosos apelos.

A FOME foi fisicamente um efeito de secas, epidemias, terramotos. A Fome foi (é) também o próprio arquétipo da condição humana, tal como esta se revela no contexto insular – talvez, no fundo, a radical insatisfação perante as coisas deste mundo, fome do corpo e do espírito, emigração e saudade, heroísmo e loucura, rapina e dádiva, aventura e heresia.
Revelação de interditos e miragens. A FOME é subterraneamente a ânsia de liberdade total. O seu discurso permanente inicia-se em meados do século XV, no momento da descoberta mítica de uma ilha, e suspende-se no terceiro quartel do século XX, quando Portugal inicia a sua última peripécia colonial. Suspende-se, mas não se extingue.
Porque este discurso onde o passado se confunde com o presente, onde se reencontram os bichos e os deuses, só se extinguirá quando acabar a humana memória.