Tuesday, July 01, 2008

A Defesa do Poeta


Na Fotobiografia de Natália Correia, encontramos uma referência à sua defesa em Tribunal pela edição da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica:

Em 1966 é condenada a três anos de cadeia – com pena suspensa – pela publicação da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. O livro foi editado em 1966, pela Afrodite, com selecção, prefácio e notas de sua autoria.

“A Natália tinha preparado um texto – A Defesa do Poeta – para ler no tribunal [Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória(…)]. Mas o Manuel João Palma Carlos, advogado dela, disse-lhe que não o fizesse. É claro que os livreiros não podiam ter um único exemplar do livro [Poesia Erótica e Satírica]. Nessa altura, tive dezenas de exemplares escondidos em minha casa, e nem o meu marido sabia disso. O Fernando Ribeiro de Mello vinha cá de vez em quando buscar alguns.”
Branca Miranda Rodrigues


A Defesa do Poeta

Senhores juízes sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
dou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.

Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs em ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.

Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de paixão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
A poesia é para comer.