Monday, August 19, 2013

Vivendo em casa de Fernando Ribeiro de Mello


 
No site triplov.com encontramos um texto de Nuno Rebocho sobre os tempos em que conviveu com Fernando Ribeiro de Mello. Nuno Rebocho escreve sobre a amizade com o editor da Afrodite, dos tempos em que viveu em casa deste, das colaborações que fez para a Afrodite (assunto sobre o qual aqui deixamos um excerto do texto), e sobre as divergências com o editor:
“Portanto, foi um alívio, e uma promoção, ir para casa do Ribeiro de Mello. Comecei a abraçar projectos seus, pelos quais me batia com unhas e dentes. E foi por proposta minha que nos abalançámos a criar a sua editora, Afrodite, cujo primeiro livro, o “Kama Sutra”, editámos: a tradução do original, sem nenhum cuidado, foi feita a quatro, pelo Fernando, por mim e por dois amigos meus, que tinham sido meus colegas no Liceu Camões, entre eles o Vítor Ribeiro. Acampávamos na tal casa do Fernando e, colaborando cada qual com o seu naco, e para mais não havendo qualquer preocupação em elaborar obra asseada, a coisa fez-se rapidamente. Mal concluído o “Kama Sutra” (suponho que o primeiro que se publicou em Portugal e logo sob a ditadura de Salazar, o que seria no mínimo subversivo), logo nasceu a ideia de lançarmos um livro do Marquês de Sade e outro do Masoch.”
Ficam apenas as correções de que o Ribeiro de Mello não morreu de acidente de viação, ainda que tenha tido um grave em 1970, e que a mulher dele se chamava Antonina e não Antonieta.

Nuno Rebocho - Nascido em 1945, em Queluz (Portugal), viveu em Moçambique desde os três meses de idade até 1962. Jornalista, poeta e andarilho – bastou-lhe ter estado preso por cinco anos na Cadeia do Forte de Peniche (por cinco anos, motivos políticos), para recusar ser animal sedentário. Viveu a imprensa regional (Notícias da Amadora, Jornal de Sintra, Aponte, A Nossa Terra, Jornal da Costa do Sol, Comércio do Funchal, entre outros), foi redactor da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, das revistas O Tempo e O Modo e Vida Mundial, em diferentes diários e semanários, e é chefe de redacção da Antena 2 da RDP.

Tuesday, August 13, 2013

Diário Remendado


O Diário Remendado foi escrito por Luiz Pacheco entre 1 de Novembro de 1971 e 12 de Dezembro de 1975, período em que viveu em Massamá. Foi publicado em 2005 pela Dom Quixote com fixação de texto e posfácio de João Pedro George. Neste diário encontramos várias referências a Fernando Ribeiro de Mello e às edições Afrodite. As visitas do editor à concorrida casa de Massamá foram regulares, especialmente para tratar de assuntos relacionados com publicações na Afrodite, o que se veio a concretizar com os Textos Malditos.
A primeira referência aparece a 18 de dezembro de 1971, na página 35, e que transcrevemos: “O Ribeiro de Mello sempre inaugurou a banheira (2,30 de diâmetro, era com que nos chateava os ouvidos), e veio em 1ª página, não vi. Vou ler a reportagem da Isabel. Diz que é o Dali português e cada país tem o Dali que merece. Mais ou menos isto, segundo versão da Lena. Já lhe arranjei cognome: é o Mini-Dali.”

A partir de meados de 1974, as referências a Fernando Ribeiro de Mello são mais frequentes. Em causa está a futura publicação dos Textos Malditos, o que viria a acontecer em 1977 na Afrodite. Pacheco vai respondendo, por escrito, a uma proposta de Ribeiro de Mello, um estranho “Inquérito Inquisitorial” em que o “escriba pachecal” respondia a perguntas íntimas, dando um retrato de si, e que seria, para incluir nos Textos Malditos. Pacheco andou algum tempo de volta das respostas, mas este curioso inquérito acabou por não ser incluído no livro.
Em 27 de Outubro de 1974, na página 195, encontramos este excerto: ”Quanto ao Inquérito Inquisitorial avancei e tenho livro novo, a fazê-lo como agora o vejo. A cada pergunta (35), 5 páginas máquina em média de resposta dá 175 a 200. Vou descarregar bílis toda. Fazer um depoimento, não um livro de memórias dirigido por mim mas um repositório rigoroso e detalhado cingindo-me aos quesitos do Ribeiro de Mello. É um jogo como outro qualquer. Ele quis assim, assim o terá. E ainda esta noite me ocorreu outra coisa que parece fundamental – para alargar e desfunalizar (termo tão caro a António Sérgio), o que poderia reduzir-se a um pomposo auto-retrato. Depois de escrever, secretamente, as minhas respostas, o que continuo a fazer directamente à máquina, em certas perguntas (as que se refiram ao sexo, principalmente) fazer inquéritos gravados ou escritos a uma data de gente. Não se tratará de um Relatório Kinsey; mas e driblando o R. M. nas suas intenções de me tramar a mim, alargar o debate, por exemplo interrogá-lo também a ele. É maluco o suficiente para aderir a este projeto que, levado a cabo, pode contribuir para uma intervenção no campo ético e político…”

Mais um excerto do diário, em 24 de Outubro de 1974, página 178: ”As minhas relações com o Ribeiro de Mello foram-se azedando (culpas dele e minhas). O livro Textos Malditos, com Inquérito Inquisitorial ou sem, não tem cara. Não é um acto. É um recurso. Uma negociata.”

Outro excerto, em 15 de Novembro de 1974, página 210: “O R. M. tem de optar. Mas não é ainda altura de lho dizer: ou aquilo entra no livro ou ele tem de esperar uns tempos, o que não quer dizer que não possa aproveitar para um volume posterior, onde desenvolva alguns dos assuntos como deve ser; ou suprimimos dos Textos Malditos e começo a trabalhar num volume a sério, coisa híbrida entre o depoimento pessoal, o livro de memórias, textos avulsos, documentos, inquéritos, agarrando os vários temas de várias formas e formando, por fim, um tapiçado engenhoso e válido (caio na palavra horrível).”